Geral - 01/06/2022
Quem será a próxima vítima? Afinal, em que consiste o assédio moral?
A psiquiatra e vitimóloga francesa Marie-France Hirigoyen, assim o caracteriza: "qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho."1
Palavras, gestos, ações ou omissões, isoladamente insignificantes ou aparentemente sem importância, podem constituir-se em peças-chave de um verdadeiro assassinato psíquico, quando tramadas e gestadas por um assediador(a), num perverso processo instaurado e desenvolvido nos mais diversos grupos e locais.
Dentro da normalidade quotidiana do ambiente de trabalho, o cenário desse anunciado assassinato psíquico instala-se, ou pode instalar-se, de forma gradual, ostensiva e progressiva. A sucumbência do assediado é o gran finale concebido pelo assediador(a) que, assim age, por ter certeza de que seus atos não são notados e, talvez, sequer questionados pelos próprios circunstantes da vítima.
O(a) assediador(a) tem características predatórias. Sabe que, via de regra, os pares da vítima dificilmente cogitam sobre a existência de tal prática; muitos sequer ousam questionar-lhe sobre suas atitudes. Por essa razão, suas ações assediosas não são notadas pelos circunstantes da vítima ou, se notadas, estes, em princípio, se mantêm silentes e receosos ante a possibilidade de serem a próxima vítima, pois sabem que o assediador(a) somente cessará a sua prática predatória quando a vítima do momento "estiver comendo em suas mãos".
Não podemos perder nossa capacidade de indignação ante tais fatos. Independentemente de estarmos no cenário como vítima ou circunstantes, não podemos deixar de nos indignarmos ante qualquer modalidade de assédio moral em curso.
Dentre as modalidades de assédio, podemos destacar:
a) assédio moral vertical ascendente: caracteriza-se por ser "praticado por subordinado ou grupo de subordinados contra o chefe. Consiste em causar constrangimento ao superior hierárquico por interesses diversos, como, por exemplo, realizar chantagem em busca de uma promoção.";
b) assédio moral vertical descendente: caracteriza-se por ser "praticado por superiores hierárquicos que se utilizam da condição de autoridade para humilhar, constranger ou prejudicar outros servidores";
c) assédio moral horizontal: caracteriza-se pela prática de assédio entre funcionários de mesma hierarquia.2
HIRIGOYEN, ao referir-se a alguns termos como agressor, agredido e perverso, assinala: "escolhi deliberadamente usar os termos agressor e agredido porque se trata de violência declarada, mesmo quando oculta, que tende a dirigir seu ataque à identidade do outro e dela extrair toda a individualidade. É um processo real de destruição moral, que pode levar à doença mental ou ao suicídio.[...] igualmente a denominação perverso, porque ele remete claramente à noção de abuso, como se dá com todos os perversos. Abuso que começa com um abuso de poder, prossegue com um abuso narcísico - no sentido de que o outro perde totalmente a autoestima - e pode chegar, por vezes, a um abuso sexual. A vítima, segundo ela, mesmo reconhecendo seu sofrimento, não ousa verdadeiramente imaginar que tenha havido violência e agressão. Não raro persiste a dúvida: "Será que não sou eu que estou inventando tudo isso, como alguns já me disseram?" Quando ousa se queixar do que acontece, ela tem sempre a sensação de descrevê-lo mal, e, portanto, de não ser compreendida.3
No Brasil, a Profa. Dra. Margarida Maria Silveira BARRETO pode ser apontada como a principal referência em assédio moral. Ela é médica e professora na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa/São Paulo.
É de sua autoria a seguinte afirmação, feita durante o curso Assédio Moral no Trabalho , promovido pelo Tribunal de Justiça do Amazonas: "Os casos de assédio moral no trabalho são 20% maior no setor público que no privado."
Precursora na área de saúde sobre esse tema, aponta que o sentimento de que não haverá punição é a causa do assédio: "As pessoas, muitas vezes, têm uma relação com o setor público como se fosse algo seu; também não acreditam que poderão ser punidas, pensam que ninguém vai se incomodar com isso porque é um ambiente do governo, ou porque é concursado, então tem estabilidade e passa a acreditar que nada poderá lhe acontecer; diferente da empresa privada, em que situações como essa muitas vezes resultam em demissões e com isso a pessoa já pensa que poderá ser mais difícil de arranjar outro emprego".4
No Brasil, não somente BARRETO aponta em seus estudos o cometimento do suicídio por assediados. O processo real de destruição moral, que pode levar à doença mental ou ao suicídio, também pode ser verificado em nosso país.
Talvez não passe pela cabeça do(a) assediador(a) a possibilidade de sua vítima chegar ao extremo de tirar a própria vida, quando submetida a uma situação de assédio moral. Se não passa, está na hora de o(a) assediador(a) começar a refletir sobre o assunto.
Uma breve pesquisa na internet sobre docentes e funcionários que chegaram a tal ponto, inclusive deixando uma carta expondo razões de seu extremo ato, revela-nos a necessidade de mais reflexão e discussão sobre assédio moral no local de trabalho. Há diversas páginas na internet contendo registros de suicídio cometido por docentes e trabalhadores, após escreverem uma carta explicando o porquê desse ato extremo.5
O que a vítima de assédio moral deve fazer?
"Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém", diz o provérbio. Assim, baseados nesse adágio, aconselhamos nossos filiados a, inicialmente, lerem a Lei nº 13.288, de 10 de janeiro de 2002, que "Dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de "assédio moral" nas dependências da Administração Pública Municipal Direta e Indireta por servidores públicos municipais." e o respectivo Decreto regulamentador nº 43.558, de 31/07/2003.
Pela leitura de tais documentos, depreende-se que o servidor sob assédio deve cercar-se de alguns cuidados e adotar algumas providências, tais como:
Temos observado ser frequente o encaminhamento de queixas à APROFEM referentes a assédio moral vertical descendente sofrido por servidores(as). A gravidade de tal situação, além dos males causados aos servidores assediados, traz consigo um outro transtorno, qual seja, o aumento de servidores em licença médica.
Lembramos aos nossos filiados que, para ingressar com uma ação de Assédio Moral, na Justiça, é necessário que determinados cuidados sejam tomados, pois sabe-se como o processo começa, porém não se sabe como termina. Além disso, há despesas para o competente ingresso da ação e, no caso de insucesso da demanda, deverá o perdedor arcar com pagamento de custas e sucumbência. Por isso, há que se ter bastante cautela, vários registros e provas contundentes visando a demonstrar a constância dos atos do(a) assediador(a).
Ante a problemática exposta relativa a assédio moral, qualquer que seja sua modalidade, o caminho inicial deve ser o estabelecimento de diálogo buscando entendimento entre as partes.
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1- HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no quotidiano, Ed. Bertrand Brasil, 3 ed. Rio de Janeiro, 2002, 224 páginas.
2- Há outras modalidades de assédio moral, como: assédio moral misto (é uma junção das formas vertical descendente e horizontal, manifestando-se quando o indivíduo é assediado pelo superior hierárquico e pelos colegas de trabalho); assédio virtual (também chamado de cyberbullying: a prática ocorre com o uso de tecnologias de informação e comunicação a partir de comportamentos hostis e repetitivos, de forma deliberada); assédio sexual (refere-se ao constrangimento a alguém com a finalidade de obter favorecimento ou vantagem sexual). Ver mais a respeito em: https://www.tst.jus.br/documents/10157/55951/Carti...
3- Idem.
4- BARRETO, Margarida Maria Silveira. Assédio moral: a violência sutil; Análise epidemiológica e psicossocial do trabalho no Brasil. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005.
5- OLIVEIRA, Andressa Mara Batista de et ZEMPULSKI, Tatiana Lazzaretti. O suicídio cometido em razão do meio ambiente de trabalho. Caderno da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança. Curitiba, vol. 1, n. 2, p. 181-208, jul./dez. 2018.