Notícias - 22/09/2017
Queridos professores, educadores em geral e amigos que interagem com adolescentes e pré-adolescentes. Queria abordar um problema de saúde pública, tratado ainda de maneira quase imperceptível, diante da sua importância.
Assisti ao filme/série "13 reasons why". Ele é composto por 13 episódios. Cada um deles corresponde a uma fita cassete gravada por Hannah Baker, estudante do ensino médio. Cada um deles nomeando uma pessoa de seu convívio, relatando a história vivida e considerando um dos porquês do seu ato.
Gostaria que assistissem ao seriado e dedicassem sua atenção a algumas reflexões feitas aqui. Acrescentem as suas também. Vamos iniciar uma campanha do cuidado para com o outro. As atitudes dos adolescentes nas escolas são "normais"? São muito comuns, na sua maioria. Algumas, até de caráter policial, mas apesar disso, rotineiras.
Será que nos acostumamos com tudo, até com o pior? Volto ao meu tempo de estudante, e relembro as dificuldades vividas, o enfrentamento de situações difíceis. A interação, a socialização eram permeadas de obstáculos a serem superados. Experiências cruéis, tanto com o ser "rejeitado", quanto com o ser "popular".
No caso Hannah Baker, ela era às vezes citada nas suas características físicas de uma maneira que para alguns poderia ter o tom de elogio, mas que para ela tinha tom ofensivo e depreciativo. De que forma cada ação é elaborada em cada mente, em cada indivíduo? Como a mesma coisa reage em cada coração? Que tipo de sentimentos desperta?
As pessoas, em variadas situações buscam apoio, muitas vezes pedem, outras praticamente estão gritando por socorro (indiretamente ou, às vezes, abertamente). Sinalizam suas ideias de alguma forma. Ainda assim, acredita-se que a pessoa não vai realizar o relatado. Confia-se e deixa-se ir. O fato de ficar e ouvir, para alguns é o que incomoda, para outros é o que conforta. Difícil!!! Atentar, distinguir, ouvir, entender.
Os jovens do filme, na sua maioria tinham famílias estruturadas, receptivas, dispostas a conversar. Eles tinham importância e respeito o suficiente. Estes, por sua vez eram bons filhos, integrados, bons alunos em termos de rendimento e esportividade. Apenas uma família era totalmente desajustada, a de Justin. Ele teve que se abrigar na companhia de Bryce, que o recebia como amigo, porém não tinha bom caráter.
Na Escola Liberty, havia um conselheiro que realmente ouvia os jovens e se propunha a ajudar no que fosse preciso. Me pareceu excelente profissional, competente e dedicado. Algumas reações de Hannah Baker, me soaram talvez um pouco exageradas. E é justamente isso que nos chama a atenção. Os níveis de tolerância para cada indivíduo são diferentes. Seja em qualquer aspecto que estejamos falando. Neste caso, a tolerância à frustração e à insatisfação com os fatos. A capacidade de superação destes também é diferente em cada um.
Os pais de Hannah Baker acionaram judicialmente a escola para averiguar a responsabilidade da mesma em sua morte. Cada um dos alunos citados nas fitas , receberam o conjunto das 13, após a sua morte, para que pudessem ouvir e encaminhar ao próximo. Estes alunos foram intimados a depor. Até este momento somente eles tinham conhecimento das fitas. Os alunos alternavam fatos reais com mentiras convenientes a eles, num processo de reflexão que muitas vezes os levaram à mudança de direção, no sentido de corrigirem suas atitudes. E todo esse processo exigia fibra, coragem e determinação. Os advogados das duas partes ouviam e filtravam as informações que lhes eram mais relevantes e oportunas.
Voltando ao papel que ocupei na escola, quando diretora. O de ouvir, apurar fatos e responsabilidades em várias ocorrências na unidade escolar ou que envolvessem nossos alunos (o mais penoso, entre todos os trabalhos desempenhados nessa função).
São várias questões a serem observadas: Se a intenção inicial é boa (este item está diretamente relacionado ao conhecimento do caráter do jovem); se foi um deslize; se há algo traumático na vida deste jovem, no momento; se o jovem em questão não tem bom caráter e você mesmo assim deve permanecer imparcial; se este jovem está realmente se empenhando em melhorar suas atitudes. Não é simplesmente apuração, averiguação. É aconselhamento, orientação. O trabalho é o mais difícil, pois envolve o ouvir, limpo, sem filtros, sem precisar falar, para poder perceber o que está sendo transmitido. Tentar compreender a posição do outro. Para só então, depois de todo o processo de ouvir, falar e orientar.
Alguns jovens no filme assumem seus equívocos, expondo claramente seus dramas. O que se percebe no filme é essencialmente a crueldade do ser humano na sua atitude com o outro, a falta de cuidado com o outro. É o núcleo do problema. Percebe-se nitidamente o problema, pois os outros fatores estão bem resolvidos. Então, fico refletindo sobre a nossa realidade: famílias desestruturadas em todos os níveis, principalmente maturidade emocional; escolas sem estruturas físicas, de ensino, de apoio emocional a alunos e educadores. Esses, requerem atenção especial, pois devem representar o esteio, o arrimo do aluno, e , muitas vezes, enredados pelo cotidiano não conseguem nem VER o outro.
Muito preocupante o quadro que temos, a vulnerabilidade às piores tragédias. Preocupante pensar como sobrevivemos com tamanha falta de estrutura. Os pais de Hannah Baker acionaram a escola, mesmo sendo ela bem estruturada. A própria escola, a partir do ocorrido se avaliou e concluiu que era preciso realizar correções em suas ações, considerando que poderiam ter sido melhores, ter feito algo que pudesse ter evitado tal acontecimento.
Clay (um dos estudantes, o mais próximo a ela) fala ao conselheiro da Escola Liberty que deveríamos ser melhores de alguma forma e cuidarmos uns dos outros (não só os alunos, todos). Esta é a essência. Clay é um jovem de princípios sólidos, extremamente convicto das suas posições, não está preocupado em pertencer à turma. Outros jovens, apesar de terem famílias estruturadas também, ainda assim são influenciáveis. A própria Hannah Baker dava bastante importância a tudo que se falava sobre ela.
Há também o viés do machismo, da posição da mulher (muito mais vulnerável na sua conduta) na sociedade.
Tudo isso me leva a querer despertar nos educadores o interesse por esse tema. Estudem e se aprofundem para minimamente poderem ajudar nossos jovens. Se pudermos influenciar a decisão de uma pessoa, ao menos no sentido de mostrar uma direção melhor, já terá valido a pena todo nosso empenho.
Ao passo que você deve falar no assunto, não o tratando como tabu; você deve ponderar o equilíbrio para que ele não seja simplesmente uma ideia a ser adotada e encaixada perfeitamente em sua vida por alguém que já esteja vulnerável a isso, mesmo que inconscientemente. É preciso muita sensibilidade para se perceber a linha tênue que divide os dois lados. Minha mãe dizia sobre isso: "É preciso ser muito corajoso e muito covarde ao mesmo tempo".
As pessoas em geral sempre pedem ajuda, pois prevalece a vontade de conseguir ter uma vida melhor. O apoio, quer venha de profissionais ou não, é reconhecido mundialmente por apresentar bons resultados. Porém, o ouvinte precisa ter alguma compreensão do pensamento e sentimento do suicida. Só ouvir ajuda muito, Não julgar e procurar compreender são fundamentais.
A média brasileira é de 6 a 7 mortes por 100 mil habitantes, bem abaixo da média mundial, entre 13 a 14 mortes por 100 mil habitantes. O que preocupa é que, enquanto a média mundial permanece estável, essa média tem crescido no Brasil. E a maior porcentagem está registrada entre os adolescentes.
Materiais para pesquisa: www.cvv.org.br; SUPRE (Suicide Prevention Program) - Prevenção do Suicídio: Manual para Professores e Educadores, OMS - Genebra 2000.
Várias atitudes devem ser levadas a sério, como indícios de suicídio:
Pensando no dia a dia das escolas, teríamos que limpar os excessos, para podermos enxergar essas atitudes como sinais, pois elas estão presentes nas rotinas escolares. E, por se misturarem a rotina, corremos o grande risco de testemunhar sinais claros de intenção e enxergarmos aquilo de maneira comum, sem intervenção alguma. Quando eu peço aos educadores para que atentemos para esses problemas, peço encarecidamente ao poder público para que invista na saúde mental do educador, pois somente estando em perfeito equilíbrio pode ser um apoio ao jovem e ter clareza para identificar onde ele se faz necessário. Os profissionais precisam de apoio, investimento na sua saúde mental e material informativo.
Aos jovens, deve-se sempre:
Estudantes suicidas dão avisos suficientes e oportunidades para intervenção. O grande desafio é ter clareza para intervir adequadamente.
Queridos amigos e colegas de profissão; "Se os cidadãos comuns, bem como o poder público, fossem sequer capazes de avaliar a importância da nossa profissão, não haveria valor suficiente a ser pago como retribuição ao nosso trabalho". Solidarizo-me a vocês na complexa tarefa de entender e intervir no comportamento do ser humano.
Um forte e carinhoso abraço a cada um que se dedica a esse trabalho valioso.
(*) Rosamar da Silva Schneider, aposentada e filiada à APROFEM, foi Assistente de Diretor de Escola.